“Não é fácil elaborar um vinho de qualidade”

Enólogo da Luiz Argenta concede entrevista para blog de vinho
Onde acaba o trabalha do enólogo começa o do sommelier

Ele é enólogo da Luiz Argenta, uma importante vinícola brasileira sediada em Flores da Cunha(RS), que busca produzir vinho com qualidade e identidade. É também professor auxiliar nos cursos do sommelier italiano Roberto Rabachino no Brasil. Graduado em Enologia pela University of Trento and Udine  da Itália, Edegar Scortegagna tem por objetivo profissional obter uma posição de desafio na área de Vitivinicultora e qualidade dos vinhos do Brasil. Nessa entrevista, Edegar explica com clareza o diferente papel do enólogo e do sommelier no mundo do vinho, fala sobre os vinhos do Velho e do Novo Mundo e aborda a concorrência desleal entre vinhos importados e nacionais. Também revela um pouco do que tenta trazer dos ensinamentos que adquiriu na Europa para o Brasil. Confira:

Blog – A profissão de enólogo não é muito conhecida no Brasil e é muito comum as pessoas aqui confundirem as atividades de um enólogo com as tarefas de um sommelier. Você pode esclarecer de forma exata as ações de cada um desses profissionais?

Onde acaba o trabalho do enólogo começa o do sommelier. Enólogo é o profissional tecnicamente e cientificamente preparado, que acompanha todos os detalhes da elaboração, desde o cultivo da videira até a colheita, da vinificação ao engarrafamento e sabe tomar as decisões corretas para garantir a qualidade do produto. É o profissional da produção vitivinícola. Sua profissão se desenvolve principalmente na responsabilidade e tomada de decisões sobre os produtos elaborados. Sua responsabilidade civil, penal e sobre a gestão da vitivinicultura é muito importante. O enólogo é formado por cursos de nível superior e alguns específicos técnicos. Já o sommelier, profissão de extrema importância, segue a harmonização vinho e alimento, gestão de adegas, serviço do vinho, degustações guiadas, dentre muitas outras funções. É fundamental por parte do sommelier a divulgação do vinho, pois é ele quem vai estar em contato direto com o consumidor. O sommelier em diversos países é formado por cursos organizados por Associações Nacionais  ou Federações específicas no ensino da Sommelieri.

Blog – O que é necessário para tornar-se um enólogo no Brasil? Como está o campo dessa atividade?

O Brasil há muitos anos proporciona formação de enólogos. A primeira escola brasileira de Enologia nasceu em Bento Gonçalves (RS). Hoje temos várias escolas de Enologia pelo Brasil, inclusive cursos de pós-graduação. Para tornar-se enólogo é necessário ingressar em uma Universidade ou Instituto Federal que possua curso de formação superior com duração mínima de três anos. Hoje o enólogo tem um espaço muito grande no mercado, o campo de atuação é amplo, principalmente se o profissional se especializa em Marketing do vinho, comercial, vendas, que é um setor muito carente. Na verdade, como em todas as profissões, para pessoas inteligentes, inovadoras, atentas aos detalhes e com vontade de trabalhar, não falta trabalho.

Blog – Você presta consultoria na área de Enologia e é enólogo de uma importante vinícola do País – a Luiz Argenta. Em sua opinião, é certo afirmar que no Velho Mundo o mérito de um bom vinho é do terroir (conjunção de fatores como solo, clima, tempo, altitude etc) e que no Novo Mundo o bom vinho é resultado da tecnologia?

As duas afirmativas são verdadeiras, porém não é só isso. Para se elaborar um vinho de qualidade é necessário um ótimo terroir, seja no Novo ou no Velho mundo. Então o que podemos afirmar é que os dois fatores juntos competem em um percentual grande para a qualidade dos vinhos. Talvez o que confunde a palavra terroir com o Novo Mundo é o fato de que são necessários alguns anos para entendê-lo, sendo que os produtores do Velho Mundo já passaram por isso há bastante tempo.

Edegar Scortegagna fala para Blog Vinho Tinto
“Um vinho em equilíbrio, em harmonia, é um vinho perfeito”

Blog – Hoje temos produção de uvas e vinhos em diversas partes do mundo antes inimagináveis. Quais as técnicas que podem ser utilizadas para que um vinho encontre equilíbrio entre acidez, doçura e taninos e seja considerado uma boa bebida? Esse excesso de correções não é prejudicial ao resultado final do produto?

Eu sempre fui da seguinte opinião: não é fácil elaborar um vinho de qualidade, caso contrário, qualquer um faria. Um vinho em equilíbrio, em harmonia, é um vinho perfeito. Quem determina isso são os fatores climáticos, o homem e as técnicas de vinificação. Podes ter certeza que um vinho que naturalmente não chega ao seu equilíbrio e que exige correções, não será um vinho longevo, persistente, enfim, nunca vai ser igual ao vinho em perfeito equilíbrio.

 Blog – Atualmente existe alta produção de vinhos de consumo fácil  e de pouquíssimo tempo de guarda, tendência que teve início no Novo Mundo e que, por questões comerciais,  já chegou também ao Velho Mundo. Como você enxerga essa situação? Um retrocesso ou uma evolução?

Na verdade, não é bem assim. Os vinhos jovens ou fáceis de beber, nasceram no Velho Mundo. Alguns exemplos são os Gamay (Beaujolais Nouveau), Novello Italiano, Prosecco, Asti dentre outros, que são os vinhos mais consumidos no mundo hoje. Eu vejo isso como uma evolução, pois é a porta de entrada para o novo consumidor, o primeiro contato com o vinho deve ser com um vinho mais fácil de entender.

Blog –  É verdadeira a afirmação que  a Merlot é a uva ícone do Brasil? O que fez essa uva se adaptar tão bem ao território nacional?

É verdadeiro, mas não somente a tinta Merlot, eu colocaria na lista também a branca Chardonnay. Estas duas castas se adaptaram e exprimem o máximo de qualidade em nosso Terroir e, por serem variedades de média e precoce maturação respectivamente, conseguimos colher estas uvas no auge de sua maturação. E pode ter certeza que em poucos anos ouviremos falar de outras variedades que estão começando a aparecer e em alguns terroir específicos, como por exemplo Cabernet Franc e Sauvignon Blanc.

Blog – Hoje, 70% da produção de vinho brasileiro é de vinho de mesa. Qual a grande diferença entre o vinho de mesa brasileiro e o vinho de mesa europeu?

A diferença está na uva usada para elaborar o vinho. No caso do vinho de mesa brasileiro, são usadas as variedades de videiras americanas (VitisLabrusca), que produz frutos mais rústicos e menos elegantes. Já os vinhos de mesa europeus são elaborados com variedades europeias (VitisVinifera), que mesmo sendo vinhos de grandes produções, apresentam aromas mais delicados e finos.

 Blog – Em sua opinião, a legislação brasileira relacionada à produção de vinhos é coerente quanto à quantidade de açúcar e à quantidade de álcool exigida nos vinhos nacionais? O que poderia ser modificado, por exemplo?

Do meu ponto de vista está coerente, pois o Brasil segue as normas do Mercosul referente aos mínimos e máximos do teor alcoólico. São os outros países que, em alguns casos, entram no Brasil com os produtos fora destes parâmetros exigidos pela Legislação. Hoje, o Brasil pode corrigir no máximo três graus alcoólicos com adição de açúcar de cana, porém voltamos à pergunta anterior: se colocarmos muito açúcar para termos um vinho alcoólico, certamente vamos ter um vinho deficiente em outros compostos, como por exemplo baixa quantidade de polifenóis, no caso de um vinho tinto de guarda.

Blog –  Podemos falar, então, que existe uma concorrência desleal entre os vinhos nacionais e os vinhos importados, uma vez que eles entram no Brasil sem necessitarem se adequar às regras da legislação nacional vigente – caso dos vinhos provenientes da Argentina e do Chile, por exemplo, que normalmente são mais doces e agradam os paladares dos brasileiros?

Certamente os argentinos e chilenos identificaram há muito tempo o gosto do consumidor brasileiro. Em virtude disto muitos dos vinhos vindos destes países chegam ao Brasil com uma quantidade de açúcar acima do permitido pela Lei internacional  e, por falta de fiscalização, são vendidos aqui como vinhos secos. Eu sempre tive a opinião de que se todos os vinhos importados fossem analisados e passassem por uma fiscalização rigorosa antes de entrarem em nosso país, certamente um grande percentual seria classificado como vinhos demisec ou suave. Tudo isso torna-se uma concorrência desleal para nós, que produzimos vinhos enquadrados na legislação vigente.

Blog – É comum muita gente reclamar de dor de cabeça após a ingestão de vinho, mesmo não tendo sido ingerida quantidade excessiva. Podemos atribuir esse fato à quantidade de conservantes inserida no vinho? Qual a quantidade permitida? Isso é realmente respeitado pelas vinícolas?

O problema não é a quantidade de conservante, pois muitos outros alimentos consumidos diariamente pela população possuem muito mais conservantes do que vinho. A diferença está na sensibilidade de cada pessoa. Não são somente os conservantes que podem causar dor de cabeça, existem outros compostos no vinho que, se consumidos em exagero, podem ocasionar problemas no organismo, um deles é o álcool. Além disso, algumas pessoas podem apresentar alergia a certos compostos. Evidentemente que se o vinho for de má qualidade, elaborado com uvas ruins, sem controle de fermentação e nem um mínimo de higiene na vinícola, será necessário uma quantidade maior de conservante. A quantidade máxima de conservante é respeitada e seguidamente controlada pelo Ministério da Agricultura.

 Blog – Para finalizar, você estudou na Itália e teve a oportunidade de conhecer de perto o pensamento e as atividades dos europeus relacionadas ao vinho. Qual a grande diferença? O que você trouxe dessa experiência e tenta aplicar no Brasil?

A diferença é clara. Falo da Itália, pois foi o país onde morei por cinco anos, o vinho está inserido na cultura italiana há milhares de anos. Faz parte do dia a dia, da vida das pessoas. Esta é a grande diferença, o vinho não é visto apenas como uma bebida, é visto como um alimento. E é por isso que ainda no Brasil não temos um grande consumo per capita de vinhos, pois para que isso aconteça leva gerações, faz parte da cultura. Desta experiência eu trouxe comigo muito conhecimento técnico e cultural, o que a Europa me ensinou é que em cada cantinho, cada pequena cidade eles elaboram um produto típico e com características bem definidas que o torna único naquele território.É isso que busco na Luiz Argenta, elaborar vinhos com uvas de qualidade utilizando muita tecnologia, mas acima de tudo produzir vinhos com a nossa personalidade, com uma identidade.

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Quem Sou

Sou jornalista especialista em vinhos e em comunicação digital. Sou sommelier Fisar e diretora da Associação Brasileira de Sommeliers do DF. Possuo qualificação Nível 3 (Wine Spirit Education Trust) e o Intermediário do ISG. Também tenho certificado em vinhos franceses (FWS) e vinhos californianos (CWAS).

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