“Vinhos caríssimos não são bons para harmonizar”, ensina renomado Chef de Brasília

Os jantares das degustações são assinados pelo Chef Francisco Ansiliero
Francisco Ansiliero – um dos mais reconhecidos chefs da Capital Federal

Catarinense de Videira e descendente de italianos do Vêneto, o Chef Francisco Ansiliero chegou a Brasília em 1987. Formado em Pedagogia e professor do ensino médio, deixou a sala de aula para se dedicar à cozinha, tornando-se um dos pioneiros da Gastronomia de qualidade na Capital Federal. A paixão, o empenho e o compromisso em usar apenas produtos de qualidade tornaram-no um dos mais reconhecidos chefs de Brasília e fizeram da marca Dom Francisco Restaurante uma das mais tradicionais e reconhecidas da cidade, ao longo de seus 27 anos de existência.  Adepto da filosofia de que “um prato saboroso exige um bom vinho”, Francisco Ansiliero nunca abriu mão de oferecer aos clientes uma carta de vinhos de excelência. Em sua adega premiadíssima são mais de 1500 rótulos de 25 países, com exemplares de renomados vinhos do Novo e do Velho Mundo. E quando o assunto é harmonização, ou seja, o casamento do vinho com a comida, ele ensina: “Como regra geral, nunca acho que os vinhos caríssimos são bons para harmonizar. O meu conceito é o de que o vinho deve acompanhar o prato. Se o vinho custa um absurdo, ele vira o centro das atenções, aí a harmonização perde o sentido”, conclui objetivamente. Confira nessa entrevista exclusiva para o Blog Vinho Tinto o que pensa essa ilustre personalidade do mundo gastronômico da Capital Federal e aprenda também um pouco mais sobre a história do Dom Francisco Restaurante – grife da alta gastronomia de Brasília.

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“A história do Dom Francisco começou quando abandonei a ideia de fazer o que achava o que era importante pra mim para fazer o que a comunidade achava importante”.

BLOG – O restaurante Dom Francisco foi fundado em julho de 1988, há exatos 27 anos. Conte-nos um pouco dessa história.

FRANCISCO ANSILIERO – Na verdade, eu queria ter inaugurado uma trattoria na época que fundei o Dom Francisco, mas tive o bom senso de acatar os resultados de uma pesquisa de mercado que me mostraram que os moradores de Brasília queriam comer peixe e carne de qualidade. Portanto, a história do Dom Francisco começou, justamente, quando abandonei a ideia de fazer o que achava o que era importante pra mim para fazer o que a comunidade achava importante. Costumo dizer que peguei os órfãos deixados pelos poucos restaurantes especializados em bacalhau e em tambaqui que fecharam as portas naquele período e, também, que acolhi aquelas pessoas que precisavam ir até São Paulo para comer uma picanha proveniente de gado de estirpe. Além disso, por minha conta, comecei a investir nas saladas, preparando-as com folhas variadas e difíceis de serem encontradas naquela época, comprando bons azeites e bons vinagres e temperando diretamente nas mesas dos clientes. Algo, inclusive, que faço até hoje.

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“Nosso carro-chefe há 27 anos continua sendo a picanha, o bacalhau, o tambaqui, acompanhados de saladas e farofa de ovo”

 BLOG – Qual o seu conselho para quem quer conseguir sucesso em um restaurante?

FRANCISCO ANSILIERO – Costumo dizer que se você quer ter um restaurante de sucesso, você deve oferecer aos clientes aquilo que eles estavam acostumados a comer quando crianças.  A verdade é que nós aprendemos a gostar muito de algumas coisas que vieram com a nossa história, com nosso relacionamento familiar. Tudo isso marca. Isso não quer dizer que não se deva fazer e oferecer pratos exóticos, mas isso funciona apenas em alguns períodos. Aqui no Dom Francisco mesmo, temos um cardápio variado inspirado nas minhas viagens e na natureza, mas nosso carro-chefe há 27 anos continua sendo a picanha, o bacalhau, o tambaqui, acompanhados de saladas e farofa de ovos.  Claro que sempre trabalhamos com produtos de qualidade – o tambaqui e o pirarucu, por exemplo, vem do Amazonas. A verdade é que comida ruim com ingrediente bom, é possível; mas nunca comida boa com ingrediente ruim. Além disso, regularidade e preço justo também são condições básicas.

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“Sempre trabalhamos com produtos de qualidade. Afinal, comida ruim com ingrediente bom, é possível; mas nunca comida boa com ingrediente ruim.”

BLOG – Os restaurantes Dom Francisco já viraram tradição em Brasília e hoje muitos frequentadores são aquelas crianças que no passado vinham trazidos por seus pais. Como o senhor vê isso?

FRANCISCO ANSILIERO – Eu fui o primeiro a servir menu infantil aqui em Brasília e tive essa iniciativa baseado em uma necessidade própria. O fato é que quando eu saía para almoçar fora com a minha esposa e com as crianças, eu percebia que havia desperdício quando elas escolhiam o próprio prato. Além disso, a conta pesava no bolso.  Com o menu infantil, percebi que o Dom Francisco podia evitar esses problemas oferecendo à criança um cardápio mais próximo da sua realidade, numa proporção mais ajustada e a preço compatível. Acredito que ganhei muitos clientes com esse menu. Hoje percebo com depoimentos dos próprios clientes que muitas das crianças que comeram aqui no passado são os adultos que hoje trazem os seus filhos para almoçarem no restaurante a pedido dos próprios filhos que querem comer o menu infantil. Enfim, o Dom Francisco é um restaurante frequentado por várias gerações e isso muito me alegra.

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“Existe carne que fica melhor no espeto; outra, na grelha fina e outra, em grelha grossa. É preciso ensinar isso para equipe, é preciso capacitar o pessoal sempre.”

BLOG – Hoje são quatro restaurantes Dom Francisco em Brasília (402Sul, Asbac, Park Shopping e Pátio Brasil). Como se faz para manter o padrão de qualidade em todas as unidades?

FRANCISCO ANSILIERO Hoje me restringi a trabalhar efetivamente no Dom Francisco Asbac. Atuo como Chef e minha esposa, Carmélia, fica a cargo da parte administrativa. Giuliana, minha filha, administra as outras unidades. Para mantermos a mesma qualidade em todos os restaurantes, a gente reúne a equipe semanalmente para discutir detalhes. Por exemplo, temos cinco utensílios para preparar uma carne, mas que de nada adiantam se não forem usados adequadamente. Existe carne que fica melhor no espeto; outra, na grelha fina e outra, em grelha grossa. É preciso ensinar esses detalhes para equipe, é preciso capacitar o pessoal. Também costumo pedir um prato sem que os cozinheiros saibam que está sendo preparado pra mim, aí posso avaliar a comida com mais precisão. Além disso, não abro mão de que meus funcionários almocem bem – muitas vezes, inclusive, almoço junto com eles. Como um funcionário vai trabalhar bem se não está saciado ou satisfeito com a comida que comeu? Algo fundamental em um restaurante é fazer uma boa comida para seus funcionários e no Dom Francisco valorizamos muito isso.

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“Como um funcionário vai trabalhar bem se não está saciado ou satisfeito com a comida que comeu?”

BLOG – E os ingredientes para a preparação das comidas do Dom Francisco, onde o senhor adquire?

FRANCISCO ANSILIERO – Há 27 anos era muito difícil conseguir os ingredientes em Brasília. Até para comprar tomilho, alho poró, salsão, chicória eu tinha de fazer pedidos com 72 horas de antecedência, pois vinha tudo de São Paulo. Hoje eu compro muitos dos produtos aqui mesmo no Ceasa (Ceasas são empresas de capital misto destinadas a aprimorar a comercialização e distribuição de produtos hortifrutigranjeiros). Brasília também já tem carnes ótimas: faisão, pato, coelho, marreco. Até queijo de cabra de qualidade já se encontra por aqui. Inclusive, nas aulas que ministro no curso “Cozinhando com Francisco”, cuja a proposta não é formar chefs, mas ensinar o preparo de pratos simples, mas saborosos, eu mostro como é possível encontrar esses ingredientes aqui mesmo na cidade. Gosto de valorizar o que está perto, pois penso que na medida em que fazemos isso, o mercado se diversifica e o preço dos produtos tende a se estabilizar.

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“Gosto de valorizar o que está perto, pois penso que na medida em que fazemos isso, o mercado se diversifica e o preço dos produtos tende a se estabilizar.”

BLOG – Aproveitando que o senhor falou em cursos e uma vez que o senhor não abre mão de ser professor até hoje, qual sua avaliação a respeito das atuais faculdades de Gastronomia do país?

FRANCISCO ANSILIERO – Infelizmente, as faculdades de Gastronomia do Brasil ainda não chegaram a um nível de prática para conseguirem formar – de fato – um chef. Claro que sou a favor de cursos e de especializações, mas acho que a cozinha é um pouco mais complicada que a sala de aula. O meu conselho é: se quiser ser cozinheiro, vá queimar cebola; vá à feira aprender a escolher os produtos, aprenda a armazenar, cortar, cozinhar, temperar e, sobretudo, aprenda a criar uma sintonia com as pessoas com que você convive e com o ambiente em que você está. Isso é fundamental para um bom chef.

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“Infelizmente, as faculdades de Gastronomia do Brasil ainda não chegaram a um nível de prática para conseguirem formar – de fato – um chef”.

BLOG – Vamos agora falar de vinhos. O Dom Francisco possui a maior adega de Brasília e uma das maiores do Brasil. É uma adega que já foi premiada diversas vezes por renomadas publicações. O que mais impressiona é que o senhor tem mais de 1500 rótulos (entre eles, várias preciosidades do Novo e do Velho Mundo) e que todos esses vinhos são seus. Conte-nos, então, de onde vem toda essa paixão?

FRANCISCO ANSILIERO – Sou filho de italianos e desde que me conheço por gente tomo vinho. Meu pai servia vinho tinto todos os dias à mesa em nossas refeições e nunca nos permitia misturar água nem açúcar à bebida. Vinho era vinho e era tinto, sempre. Quando morei em São Paulo e era professor universitário, me lembro que já tinha o hábito de beber vinho todos os dias. Só que bebia vinho colonial porque vinho fino italiano era só para dia de festa, pois bebida importada era muito cara naquela época. Quando abri o restaurante, decidi me vingar e disse: agora vou vender vinho bom e barato (rsrsrs)! Vale dizer que fui o primeiro a montar uma adega climatizada em Brasília e também pioneiro em servir vinhos em taça de cristal na cidade.

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“Sou filho de italianos e desde que me conheço por gente tomo vinho. Meu pai serviavinho todos os dias e nunca nos permitia misturar água nem açúcar.”

BLOG – Como está estruturada a Adega do Dom Francisco?

FRANCISCO ANSILIERO – Temos no Dom Francisco mais de 1500 rótulos de 25 países. Com áreas reservadas para o Velho Mundo, Novo Mundo e vinhos brancos/espumantes. Além disso, prestamos bastante atenção nos rótulos nacionais. Hoje possuímos bons vinhos produzidos até em Goiás e Minas Gerais, por exemplo. Todos esses vinhos estão na adega porque me convenceram de que valiam à pena e porque apresentaram boa relação preço x qualidade. Não aceito vinho consignado e também não trabalho com exclusividade. A carta da 402 sul é um pouco mais enxuta em quantidade de rótulos, mas possui diversas opções de vinho em taça. As casas dos shoppings (Pátio Brasil e Park Shopping) possuem uma carta mais reduzida, ainda que representativa de cada região produtora. Ao todo são quase 18 mil garrafas, esse número varia porque vinho é algo sazonal, isto é depende da safra.

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“Os vinhos estão na adega porque me convenceram de que valiam à pena. Não aceito vinho consignado e também não trabalho com exclusividade”

BLOG – Apesar da excelente carta, o preço cobrado pelos seus vinhos é um dos mais justos da cidade. Qual a equação que o senhor faz para conseguir vender vinho a preço que agrade os clientes?

FRANCISCO ANSILIERO – Desde que a gente abriu o Francisco, uma bronca que eu tinha era perceber que muitos restaurantes que vendiam bons vinhos triplicavam o valor original, inviabilizando a compra por parte da maioria dos clientes. Então, comecei a fazer o seguinte: se o vinho custa R$50, vendo a R$75. Calculei os impostos e as taxas e percebi que mantendo uma taxa de 1,5 (50%) sobre o valor do vinho eu ainda ia conseguir uma margem de lucro de 15%, o mínimo necessário para manter o capital.

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“Uma bronca que eu tinha era perceber que muitos restaurantes que vendiam bons vinhos triplicavam o valor original”

BLOG – E qual a sua predileção em relação aos vinhos? Por quê?

FRANCISCO ANSILIERO – Eu ainda tenho paixão pelos vinhos italianos, especialmente os vinhos do Vêneto. Por exemplo, para o dia a dia gosto muito do vinho de Ripasso (um vinho especial elaborado a partir do contato do Valpolicella com as borras do Amarone) por ser aromático e encorpado. Já em dias especiais, costumo beber o próprio Amarone,  grande vinho do Vêneto, que é a minha região e de meus antepassados. Não que eu não goste de outros vinhos, não é isso. Vinho bom é vinho bom feito em qualquer lugar do mundo. Mas, como já disse, na nossa história de vida, aprendemos a gostar de certas coisas que estão relacionadas à afetividade familiar – isso vale tanto para comida como para vinho.

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“Eu ainda tenho paixão pelos vinhos italianos, especialmente os vinhos do Vêneto”

BLOG – Em Brasília existem apenas cinco profissionais que possuem o concorrido bottom verde e amarelo conferido pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) após aprovação em difícil prova prática e teórica sobre vinhos e destilados. Três destes profissionais trabalham nos restaurantes Dom Francisco. O que isso representa?

FRANCISCO ANSILIERO – A resposta é simples. Se você quer oferecer qualidade no atendimento tem que ter profissionais de qualidade. Não pode, simplesmente, contratar alguém que nunca bebeu vinho ou que não entende da bebida para oferecê-la aos clientes.

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“Vinho bom é vinho bom feito em qualquer lugar do mundo”

BLOG – Falamos sobre comida e vinho separadamente. Gostaria de fazer uma pergunta unindo ambos, isto é, sobre harmonização. Como o senhor se considera em relação ao tema, ousado ou tradicional?

FRANCISCO ANSILIERO – Sou bem pragmático quanto à harmonização. Penso que quando não se trata de um jantar especial ou de gala, comida e bebida devem dar prazer e bem-estar; devem, de maneira simples, apenas despertar a vontade, algo ligado à forma com que se aprendeu a comer e a beber na infância e juventude. Agora, claro, à medida em que se vai burilando o paladar, é natural descobrir que certos vinhos se ajustam melhor a determinados pratos e a seleção de ambos e a própria harmonização passa a ser realizada de forma natural, sem imposições.

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“À medida em que se vai burilando o paladar, é natural descobrir que certos vinhos se ajustam melhor a determinados pratos”

BLOG – Em sua opinião, vale a pena harmonizar comida com vinhos muito caros?

FRANCISCO ANSILIERO – Eu, como regra geral, nunca acho que os vinhos caríssimos são bons para harmonizar. O meu conceito é o de que o vinho deve acompanhar o prato. Se o vinho custa um absurdo, ele não acompanha mais; ele vira o centro das atenções. Normalmente, quando me pedem para sugerir um vinho para harmonizar com um determinado prato, procuro indicar um vinho de padrão médio e condizente com que estou oferecendo de comida. É aquela história, se o vinho pesar demais no bolso do cliente o prazer vai embora e aí, claro, a harmonização não vai fazer mais sentido. ***

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“Se o vinho custa um absurdo, ele não acompanha mais, ele vira o centro das atenções”. (Na foto o Chef Francisco, a editora do Blog Etiene Carvalho e um Petrus de R$13.000,00)

Fotos – Cláudio Cabrito

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Quem Sou

Sou jornalista especialista em vinhos e em comunicação digital. Sou sommelier Fisar e diretora da Associação Brasileira de Sommeliers do DF. Possuo qualificação Nível 3 (Wine Spirit Education Trust) e o Intermediário do ISG. Também tenho certificado em vinhos franceses (FWS) e vinhos californianos (CWAS).

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